A geração de neurônios na fase adulta pode afetar nosso comportamento e alterar nosso humor, portanto, a descoberta de que isso ocorre na amígdala pode levar a novas estratégias para o tratamento dos transtornos relacionados à ansiedade.
A descoberta de que algumas partes do cérebro adulto continuam a gerar novos neurônios revolucionou nossa compreensão da plasticidade cerebral e abriu novas oportunidades de remediação. No entanto, se esse processo ocorre em todo o cérebro adulto ou está restrito a regiões específicas, ainda é assunto de debate.
Um novo estudo adicionou a amígdala, que controla o medo e as memórias emocionais, à lista de áreas em que ocorre a neurogênese adulta. Essas descobertas não apenas aumentam nossa compreensão da plasticidade cerebral, mas também podem levar a melhores tratamentos para transtornos relacionados à ansiedade.
A neurogênese adulta tem sido um tópico altamente debatido na neurociência, com o dogma “nenhum novo neurônio no cérebro adulto” prevalecendo na maior parte do século passado. A forte crença entre os neurocientistas era que a produção neuronal no cérebro parava logo após o nascimento e que os circuitos neuronais no cérebro adulto eram conectados e imutáveis.
Essa teoria foi contestada há pouco mais de 50 anos por Joseph Altman, que forneceu a primeira evidência de que novos neurônios são de fato gerados no cérebro de roedores adultos. No entanto, sua descoberta foi amplamente desconsiderada devido às tentativas fracassadas de outros no campo de replicar suas descobertas.
Quase 30 anos depois, estudos pioneiros conduzidos por Perry Bartlett e colegas na Austrália, bem como o grupo de Samuel Weiss no Canadá, demonstraram que o cérebro de camundongo adulto abrigava células-tronco neurais ou células precursoras com a capacidade de gerar progênie neuronal. Essas descobertas abriram caminho para um grande número de estudos que mostraram que esses pools endógenos de células-tronco proliferam e, subsequentemente, se diferenciam para gerar novos neurônios que se tornam funcionalmente ativos e se integram ao circuito cerebral existente. Durante esse tempo, um trabalho imenso foi feito para determinar os papéis que esses neurônios recém-nascidos desempenham, bem como os mecanismos que regulam a neurogênese.
O hipocampo é uma área-chave do cérebro onde a ocorrência de neurogênese adulta foi firmemente estabelecida. Ele também permaneceu no centro das pesquisas, uma vez que o hipocampo foi apontado como um regulador crítico do circuito neural subjacente tanto à cognição quanto ao humor. Vários estudos mostraram que os neurônios no hipocampo recém-nascido têm propriedades especiais: eles são facilmente excitáveis e, portanto, mais ativos do que seus equivalentes já maduros, o que por sua vez pode influenciar profundamente os circuitos e funções dessa região do cérebro.
Os esforços de pesquisa voltados para a compreensão da regulação e função da neurogênese no hipocampo também foram alimentados por um estudo de 2013, que propôs que aproximadamente 700 novos neurônios são adicionados ao hipocampo humano todos os dias, e que há uma grande renovação dos neurônios do hipocampo durante a vida adulta. O acúmulo de evidências em modelos animais mostrou que a inibição ou esgotamento de neurônios recém-nascidos resulta em déficits na navegação espacial, aprendizagem e memória. Além disso, há evidências crescentes de que a neurogênese hipocampal está comprometida em modelos pré-clínicos de ansiedade e depressão, e que serve como um alvo primário para as ações dos antidepressivos. Assim, a plasticidade oferecida pela neurogênese adulta tornou-se central para nossa compreensão de muitas funções cerebrais.
Impulsionando a produção de novos neurônios no hipocampo, há piscinas quiescentes (em repouso) ou latentes de células-tronco naturais. Nossos estudos descobriram que essas grandes populações de células-tronco quiescentes podem ser ativadas por uma série de sinais neuroquímicos e ambientais. No entanto, se essas populações de células-tronco latentes também estão presentes em outras regiões do cérebro, se elas geram novos neurônios funcionais, tem sido apenas recentemente investigado.
Embora a neurogênese adulta tenha sido proposta para outras regiões do cérebro adulto, os pesquisadores ainda sabem muito pouco sobre as características de qualquer célula-tronco ou precursora residente, seu potencial para se diferenciar, amadurecer e se integrar ao circuito local e sua contribuição funcional. Dado o papel central da amígdala na aquisição, consolidação e expressão de memórias emocionais, tem havido considerável interesse em confirmar a existência e possível papel funcional da neurogênese nesta região.
A amígdala é uma integrante crucial em uma série de transtornos relacionados à ansiedade, incluindo ansiedade generalizada, estresse pós-traumático e fobias. Além disso, os antidepressivos que são amplamente usados para o tratamento de muitos desses distúrbios também aumentam a neurogênese no hipocampo adulto.
Essas descobertas nos levaram a investigar se a amígdala adulta, como o hipocampo, também abriga piscinas residentes de células-tronco neurais e se essas células proliferam e geram novos neurônios funcionais. Em um esforço colaborativo envolvendo os grupos de pesquisa de Perry Bartlett e Pankaj Sah no Instituto do Cérebro de Queensland, começou-se a determinar se a amígdala é realmente uma região neurogênica no cérebro adulto.
A evidência direta da neurogênese exigiu que fosse empregado técnicas tradicionais de anatomia, cultura de células e fisiológicas junto com ferramentas genéticas modernas para mapear o destino da progênie neuronal de células-tronco residentes. Empolgantemente, foi encontrado células-tronco em proliferação na amígdala do camundongo adulto, embora em número bem menor do que no hipocampo. Observou-se não apenas a presença de novas células, mas também sua conversão em neurônios.
Para confirmar que os novos neurônios estavam sendo gerados a partir da piscina residente de células-tronco, injetou-se nos camundongos um retrovírus que infecta apenas células que estão se dividindo para formar novas células e observou-se a expressão de um gene repórter marcado de fluorescência verde nos neurônios de 6 a 8 semanas depois. Isso, junto com o uso de um camundongo geneticamente modificado no qual as células-tronco e sua progênie foram seletivamente marcadas, forneceu evidências convincentes para a geração de novos neurônios na amígdala adulta.
No entanto, tem sido freqüentemente dito que o padrão de prova é proporcional à importância e novidade de uma alegação – em outras palavras, uma alegação extraordinária requer evidência extraordinária. Por definição, uma célula não é um neurônio fidedigno, a menos que “se comporte” como um neurônio e produza e ainda propague as potenciais ações elétricas por meio das quais as células do sistema nervoso transmitem as informações. Portanto, também mediu-se as propriedades eletrofisiológicas e foi descoberto, para a surpresa dos pesquisadores, que os neurônios recém-nascidos na amígdala inibiam outros neurônios no circuito. Isso contrasta com a natureza excitatória dos neurônios recém-nascidos gerados no hipocampo, indicando que as propriedades elétricas dos neurônios adultos são distintas e específicas de cada região.
Tendo estabelecido a amígdala como uma região neurogênica genuína no cérebro do camundongo adulto, os próximos desafios importantes são determinar as conexões funcionais feitas por esses neurônios recém-nascidos e seu papel na regulação dos circuitos e função da amígdala.
As respostas a essas perguntas têm enormes implicações para a compreensão da regulação do medo e das memórias de medo. A amígdala desempenha um papel fundamental no processo pelo qual aprendemos a temer associando um estímulo a um evento assustador. Por exemplo, uma pessoa que é mordida pelo cachorro de um vizinho experimenta a clássica resposta de luta ou fuga – aumento da frequência cardíaca, boca seca e palmas das mãos suadas – toda vez que passa por aquela propriedade. Este é o condicionamento do medo, pelo qual um estímulo neutro (o quintal do vizinho) incita uma resposta intensificada com base na experiência passada. Compreender como os neurônios recém-nascidos contribuem para esse processo é o primeiro passo no desenho de melhores estratégias para tratar os distúrbios do processamento do medo.
Outro fato curioso é que, segundo um estudo de Vitor da Fonseca, publicado em 2016, para que a aprendizagem ocorra, pela importância que tem a emoção na cognição (como sinônimo de razão), é necessário que se crie à volta das situações ou desafios (tarefas, propostas, atividades, etc.) de aprendizagem um clima de segurança, de cuidado e de conforto, algo que distingue a cognição social nos humanos, exatamente porque se operou, ao longo da evolução, uma grande expansão cerebral nas regiões temporais e frontais responsáveis pela percepção social e pela comunicação. Resumindo: só num clima de segurança afetiva o cérebro humano funciona perfeitamente, só assim as emoções abrem caminho às cognições.
Por ser um tópico controverso há cerca de 50 anos, os neurocientistas hoje concordam que a neurogênese adulta confere um modo único de plasticidade no cérebro dos mamíferos adultos. No entanto, as últimas descobertas nos levaram a um território ainda não mapeado na paisagem da neurogênese adulta. Com a crescente compreensão da biologia das células-tronco neurais e dos papéis funcionais dos novos neurônios, os pesquisadores estão ansiosos para explorar essa plasticidade a fim de desenvolver novas abordagens para melhorar os distúrbios neuropsiquiátricos.
Até o próximo artigo!
Fonte: Australasian Science
Autor: By Dhanisha Jhaveri
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